Qual é a estratégia da Coreia do Norte?

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Primeiras Movimentações da Coreia do Norte:

Em 2017, a Coreia do Norte iniciou uma escalada de lançamentos missilísticos. O primeiro projétil atingiu o Mar do Japão ainda em fevereiro.

Alguns meses depois, norte-coreanos lançaram seu primeiro ICBM (Míssil Balístico Intercontinental) no dia 4 de julho. A data foi escolhida a dedo. Não haveria momento mais propício para realizar uma demonstração de força senão no dia da Independência Americana.

Esse lançamento foi seguido de outros 18 testes missilísticos e acompanhado de uma série de ataques cibernéticos que afetaram desde bancos até hospitais ao redor do mundo.

Os norte-coreanos diziam que os americanos estavam fazendo afirmações desarrazoadas e que aquele comportamento não era nada além de fobia nuclear infundada.

As ameaças nucleares de Kim Jong Un não são uma novidade, o jovem ditador continua seguindo a estratégia implantada por seu falecido pai, Kim Jong-il. A diferença, dessa vez, é que tais ameaças foram amplificadas pelo próprio governo dos Estados Unidos da América, mesmo que por meio de uma rede social, o Twitter.

As tensões pareciam ter atingido seu ponto mais alto desde os dias da fulgurante Guerra da Coreia, palco de conflitos armados de 1950 a 1953, quando o Armistício de Panmunjom pôs fim às batalhas apesar de não ter encerrado a guerra.

É importante lembrar que, oficialmente, a Coreia do Norte e a Coreia do Sul estão em guerra até os dias de hoje.

Mas algo peculiar aconteceu em 2018. Algo mudou.

Após o ultimato dos Estados Unidos à Coreia do Norte,  Kim Jong Un anunciou que enviaria atletas norte-coreanos para participar das Olimpíadas de Inverno, sediadas na rival Coreia do Sul.

Como se essa ação já não fosse estranha o suficiente, o ditador da Coreia do Norte anunciou que seus atletas deveriam competir ao lado de seus pares sul-coreanos e, mais ainda, sob a bandeira de uma Coreia unificada.

Coreia do Sul e Coreia do Norte caminham juntas nas Olimpíadas de Inverno de PyeongChang
Coreia do Sul e Coreia do Norte caminham juntas nas Olimpíadas de Inverno de PyeongChang (Matthias Hangst/Getty Images)

A irmã de Kim Jong Un e uma comitiva de fãs norte-coreanas também viajaram para a Coreia do Sul com o objetivo de torcer pelos atletas das duas Coreias.

Os testes nucleares e missilísticos pararam subitamente e o líder norte-coreano até mesmo encontrou-se com o Secretário de Estado americano, Mike Pompeo.

Mike Pompeu e Kim Jong Un apertam as mãos
Mike Pompeu e Kim Jong Un apertam as mãos

Seguindo esse padrão comportamental notavelmente diferente de poucos meses atrás, Kim Jong Un viajou para fora da Coreia do Norte pela primeira vez desde que tornou-se líder do país. O destino foi a China, para encontrar-se com o líder da República Popular da China, Xi Jinping.

 

A notícia mais impressionante ainda estaria por vir: Coreia do Norte e Coreia do Sul organizariam uma cúpula, na qual Kim Jong Un abraçou o presidente sul-coreano, Moon Jae-in, e até mesmo pisou, brevemente, no lado sul-coreano da (DMZ) Zona Desmilitarizada.


O que é a Zona Desmilitarizada?

É um território neutro localizado na fronteira que divide as duas Coreias.

Essa localização foi determinada ainda no ano de 1953 em um acordo entre Coreia do Norte, China e Nações Unidas, o qual estabelecia que os dois países deveriam ser divididos à altura do 38º paralelo.

O objetivo era manter a Coreia separada em partes praticamente iguais, assim evitando novos conflitos e invasões.

Zona Desmilitarizada (DMZ)
Zona Desmilitarizada (DMZ)

O comportamento errático de Kim Jong Un:

A súbita mudança de comportamento de Kim Jong Un pareceu pegar todos de surpresa. Os norte-coreanos foram de um extremo a outro, de belicosos desenvolvedores de mísseis balísticos intercontinentais a sorridentes e cooperativos parceiros. Tudo isso em apenas 5 meses.

Para alguns, esse comportamento parece absolutamente inexplicável, para outros, trata-se pura e simplesmente de uma habilidosa e bem orquestrada movimentação de política externa.

Mas aquilo que pode parecer desespero, passos atrás ou ingenuidade da Coreia do Norte, na realidade, trata-se da continuação de uma antiga e completamente racional estratégia de sobrevivência.

A Nova Estratégia de Kim Jong Un:

O líder norte-coreano tem uma prioridade em sua lista: manter-se no poder.

Para ele, poder significa riqueza e segurança para sua família.

Você pode me perguntar:

Se esse é o objetivo de Kim Jong Un, por que ele não simplesmente aproveita essas coisas em vez de investir seu tempo desenvolvendo armas de destruição em massa?

Kim Jong Un
Kim Jong Un

Realmente, ele parece fazer exatamente o oposto ao desafiar a maior potência militar e tecnológica do mundo, os Estados Unidos. A mídia, inclusive, costuma rotulá-lo como um louco capaz de cometer atrocidades contra quaisquer países a qualquer momento.

Kim Jong Un não é um louco. Ele é bastante racional e tem um ótimo motivo para tomar as decisões que tem tomado.

O jovem líder herdou um país pobre, faminto e primitivo.

Caso não faça nada, o país entrará em colapso e, junto com ele, a família de Kim Jong Un enfrentará perigo mortal.

Caso ele decida empurrar a Coreia do Norte rumo ao desenvolvimento, não conseguirá fazê-lo sem antes executar profundas reformas econômicas. O problema é que tais reformas acarretariam, invariavelmente, melhorias substanciais na qualidade de vida do povo norte-coreano, fato que, como alguns poderiam argumentar, seria positivo para o ditador.

Na realidade, isso é exatamente o oposto do que aconteceria.

Uma população empobrecida e faminta não tem tempo para pensar em outra coisa senão em sua própria sobrevivência. As mentes estão sempre preocupadas com a próxima refeição.

Lembre-se: revoluções são atos de força, não de fraqueza.

 

O maior problema do regime norte-coreano:

O que realmente é perigoso para Kim Jong Un é uma população que saiba da possibilidade de uma vida de fartura, mesmo que só tenham conhecimento dessa vida a distância. É por esse motivo que todos os veículos de comunicação são estritamente controlados na Coreia do Norte.

A lógica é a seguinte: a população jamais sentirá falta de algo que nem mesmo sabe que existe.

Uma reforma poderia, eventualmente, tornar a Coreia do Norte um Estado tão próspero quanto a Coreia do Sul, mas o preço de tal prosperidade seria tanto a cabeça de Kim Jong Un, quanto a vida de seus familiares.

Esse dilema deixa o ditador em uma posição de extrema fragilidade:

 

Como conseguir recursos para alimentar a população sem promover reformas econômicas?

dinheiro economia para o CACD

A solução é o mesmo tipo de socialismo com o qual o país sempre sonhou, mas nunca conseguiu alcançar: recursos compartilhados.

Mas como compartilhar recursos se a escassez impede que o Estado consiga prover o mínimo necessário?

É preciso construir alguma fonte de renda extra estatal, no caso da Coreia do Norte: ajuda humanitária do exterior.

 

Como conseguir ajuda humanitária sendo um país totalitário que executa seus nacionais?

Por meio da coação. Embora os demais países não estejam dispostos a auxiliar um líder totalitário a dar continuidade à manutenção de seu regime de maneira voluntária, é possível chantageá-los e coagi-los para que cooperem.

O único problema é que coagir Estados muito mais poderosos não é uma tarefa fácil.

À Coreia do Norte resta apenas um recurso, a ameaça nuclear.

Coreia do Norte Nuclear
Coreia do Norte Nuclear

Basta uma única ogiva nuclear para que o país obtenha o status de possível agressor. Status esse que funciona como um escudo dissuasor capaz de repelir guerras externas e levantes internos além de agir como a mais eficiente ferramenta de negociação que existe.

Você deve lembrar que a Coreia do Norte não precisa de ogivas capazes de atingir o continente americano. Para que a pressão norte-coreana faça efeito, basta que algum dos aliados dos Estados Unidos na Ásia sinta-se ameaçado, que é exatamente o caso do Japão e da Coreia do Sul.

 

A desnuclearização da Coreia do Norte:

A ideia de desnuclearização da Coreia do Norte é tão atraente que o mundo está disposto a fazer qualquer coisa para ao menos ter uma chance de atingir tal objetivo, inclusive ignorar 15 anos de tentativas fracassadas no âmbito da política externa.

Apenas dois anos depois de Kim Jong Un chegar ao poder, um ex-estudante estrangeiro em Pyongyang e agora especialista em assuntos relacionados à Coreia do Norte, chamado Andrei Lankov, escreveu um livro intitulado “The Real North Korea” (A Verdadeira Coreia do Norte), que defende a seguinte lógica como tese:

Quando a Coreia do Norte está insatisfeita, ela segue esta estratégia:

  • Eleva as tensões ao máximo possível com o objetivo de gerar uma crise internacional;
  • Os jornais de todo mundo anunciam que a península coreana está a um passo de uma guerra total;
  • O governo norte-coreano dispõe-se a abrir negociações para encerrar a escalada armamentista;
  • As propostas da Coreia do Norte são consideradas e recebidas com alívio pelo restante do mundo;
  • Diplomadas norte-coreanos negociam em posição de força;
  • A Coreia do Norte consegue extrair as vantagens que deseja dos demais países e continua a manutenção de seu regime.

Essa estratégia já foi utilizada pelos norte-coreanos inúmeras vezes. Kim Jong Un não é o primeiro a agir assim.

Não é difícil perceber essa aparente bipolaridade do ditador. Ele sempre apresenta um dos seguintes comportamentos:

  • Belicosidade extremada; ou
  • Cooperação acima de tudo: a Coreia do Norte afirma querer apenas um pouco e apoio econômico.

Esse ciclo de agressão, aparente cooperação e repetição está acontecendo mais uma vez. Mas isso não tem absolutamente nada de novo, já aconteceu durante as outras 6 negociações entre Coreia do Norte e Coreia do Sul em: 2003, 2004, 2004 (de novo), 2005, 2006, 2007 e 2018.

 

Coreia do Norte recalcitrante:

A Coreia do Note concordou em abandonar seu programa nuclear em 2005 durante as Negociações das Seis Partes (Coreia do Norte, China, Rússia, Coreia do Sul, Estados Unidos e Japão). Como já era esperado, assim que os norte-coreanos conseguiram o que queriam, quebraram sua promessa e continuaram a avançar em sua pesquisa nuclear.

Em 2018 a situação está razoavelmente diferente. Durante os últimos quase 40 anos, a Coreia do Norte tem desenvolvido sua tecnologia com o objetivo primordial de criar um míssil capaz de atingir o território continental do Estados Unidos.

trump e kim jong un

Convenhamos, ameaçar a Coreia do Sul e o Japão pode até irritar os americanos profundamente, mas não é nada comparado à real possibilidade de uma ogiva nuclear apontada para o território dos próprios Estados Unidos.

Esse sempre foi o objetivo da Coreia do Norte.

Até a invenção desse míssil, não havia a real possibilidade de que os norte-coreanos abandonassem seu programa nuclear, pois esse é o dissuasor final, a garantia da vida de Kim e da continuação de seu regime.

Embora o líder da Coreia do Norte seja retratado pela mídia ocidental como um tolo, ele foi perfeitamente capaz de aprender a lição ensinada a Saddam Hussein, no Iraque, e a Muamar Khadafi, na Líbia.

 

O míssil de Kim Jong Un:

Hwasong-15

No dia 28 de novembro de 2017, Kim Jong Un lançou o míssil chamado de Hwasong-15 finalmente provando que poderia atingir qualquer parte do território norte-americano.

Apenas dois meses mais tarde, Kim mostrava seu lado cooperativo e enviava atletas norte-coreanos à Coreia do Sul para as Olimpíadas de Inverno.

Não há coincidência aqui. Os norte-coreanos já haviam atingido seu objetivo, não precisavam mais testar mísseis ou continuar a escalada de tensões.

Agora chegou a hora de:

  • Prometer ao mundo que os testes acabaram;
  • Encher os cofres da Coreia do Norte de dólares.

Os Estados Unidos, liderados por Donald Trump, ainda saíram da mesa de negociação afirmando ao público que a estratégia americana foi um sucesso e que o leão norte-coreano está sendo domado gradativamente.

 

O possível desenrolar da política norte-coreana:

Não é possível saber exatamente como a história desenrolar-se-á, mas há indícios de que Kim Jong Un tentará, mais uma vez, seguir a rotina que tem funcionado durante tantos anos. Provavelmente a Coreia do Norte irá:

  • Prometer várias concessões ao restante do mundo, mas essas concessões serão simbólicas: sorrisos, demonstrações de boa vontade, mas nada concreto;
  • Prometer colocar um fim no programa nuclear, do qual já não necessitam como antes, em troca da diminuição da presença estadunidense na área vizinha, algo que também interessa à China.
  • Manter a situação atual de segregação entre as duas Coreias, afinal, ao ditador não interessa a reunificação.

Conclusão:

Estados Unidos e Coreia do Sul irão declarar que as negociações foram exitosas uma vez que a Coreia do Norte deixou de desenvolver novas armas nucleares.

A Coreia do Norte também considerar-se-á vitoriosa, pois conseguiu entrar nas negociações em uma posição de força, garantiu sua segurança e ainda obteve vantagens econômicas.

Tudo exatamente como havia sido planejado.

Na próxima vez que Kim Jong Un encontrar-se em situação desfavorável, ele saberá exatamente como conseguir aquilo que precisa.


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