Com o passar dos anos, tenho percebido que os candidatos que finalmente se tornaram diplomatas compartilham características facilmente observáveis.
É verdade que vez ou outra há uma aprovação inesperada, há alguém que se encaixa perfeitamente na definição de “ponto fora da curva”, mas esses casos são raros e, portanto, irrelevantes para os argumentos apresentados neste texto.
Eu não precisaria escrever isso, mas, para deixar as coisas bem claras, prefiro assim:
O fato de você ter a maioria ou até mesmo todas as características desta lista não significa que você será aprovado. Isso apenas mostra que você está no caminho correto e que tem o perfil de outras pessoas que já trilharam a insidiosa rota do CACD.
Vamos ao que interessa. Aqui estão as características dos futuros diplomatas:
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Suas habilidades dissertativas são substancialmente superiores àquelas dos seus pares;
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Você é metódico e pragmático;
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Você lê textos em idiomas estrangeiros como entretenimento;
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Você é jovem;
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Você tem apoio familiar;
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Você tem poucas obrigações;
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Você estuda aos finais de semana;
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Você sente-se em casa na biblioteca;
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Você tem o hábito de ler;
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Você considera razoável investir 10 anos da sua vida em um objetivo.
Suas habilidades dissertativas são substancialmente superiores àquelas dos seus pares
Deixe-me dar um exemplo:
Tive a oportunidade de fazer um simulado de redação em língua portuguesa na mesma sala de um rapaz que passou em primeiro lugar no CACD. Esse simulado foi realizado dois meses antes da prova na qual ele seria aprovado, portanto demonstra claramente o nível que ele havia alcançado algumas semanas antes do grande dia.
Bom, preciso confessar que não tenho a habilidade de escrever rápido. Para dizer a verdade, esse é um dos meus pontos mais fracos. Diria até que estou levemente abaixo da média no quesito velocidade.
Dito isso, naquela ocasião cheguei um pouco mais cedo à sala de aula, pois queria garantir que teria todos os minutos disponíveis para dissertar. Esse ambiente de simulado não era rígido, a única regra era: você deve entregar a prova até o horário estipulado.
Sempre levei os simulados a sério e fingia, realmente, que estava vivendo o dia da prova.
Iniciei meu texto e fiz o máximo possível para organizar as ideias da maneira mais eficiente possível. Eu precisava escrever. E precisava escrever rápido.
10 minutos se passaram, e então 20…e então 30. Minha dissertação começava a tomar forma e eu me sentia cada vez mais confiante naquilo que construía.
De repente, mais de meia hora após o início do simulado, entra um rapaz na sala. Ele usava havaianas e vestia uma calça jeans furada. Não eram aqueles furos por razões estéticas. A calça era velha mesmo.
Logo fiquei irritado. Imediatamente pensei:
“Esse imbecil chegou atrasado e quebrou minha concentração. Por que é que veio fazer simulado? Deveria ter ficado em casa”
Em seguida retornei à minha dissertação. Estava começando a redigir o último parágrafo para então passar o texto a limpo.
Antes que eu pudesse começar a revisar minhas orações, aquele rapaz maltrapilho levantou-se, foi direto ao professor e entregou sua dissertação.
O corretor, que estava em sala, era o professor Max (Campiti Braga), extremamente rígido e nem um pouco sutil ao expor suas críticas.
O rapaz da calça furada disse:
“Professor, aqui está minha redação, preciso ir embora.”
Eu pensei:
“Claro que precisa ir! Escreveu correndo e agora não quer ouvir as lindas palavras que o Max está prestes a dizer.
O Max respondeu:
“Espere um minuto, vou corrigir sua redação agora.”
De novo, amável como sou, pensei:
“Agora esse moleque vai ouvir!”
Então o professor Max disse exatamente estas palavras:
“Redação perfeita. Tenha um bom final de semana.”
Esse rapaz maltrapilho, meus amigos, finalizou a dissertação em uma fração do tempo que precisei para escrever a minha e mesmo assim atingiu a nota máxima.
Ele não escrevia simplesmente mais rápido que os demais, tinha uma velocidade incomparável.
Hoje esse rapaz é um dos diplomatas mais bem-sucedidos da nova geração e eu sei que ele realmente merece todo o reconhecimento.
Você é metódico e pragmático
O CACD não é competição para pessoas instáveis. Aqueles que foram aprovados são particularmente metódicos, por vezes parecem máquinas quando se trata de estudar.
Um dos meus colegas, aprovado na quinta tentativa, tinha comportamentos estranhos em relação à prova. Em determinados momentos parecia tomado por uma necessidade de desvendar precisamente o que se passava pela cabeça dos avaliadores da prova discursiva.
Esse rapaz reunia artigos escritos pelos avaliadores, teses de mestrado, livros e provas de anos anteriores corrigidas por eles. Depois da coleta do material, colocava tudo sobre uma mesa e comparava cada um dos textos para definir exatamente o que aquele autor pensava sobre cada item do edital.
O trabalho era minucioso e demorado, mas apresentava resultados. Hoje ele é diplomata. É mau-caráter, mas é diplomata.
Outro detalhe curioso é que esse rapaz insistia na importância das leituras corretas. Ele era extremamente pragmático. Por anos achei aquilo um exagero, mas eu estava errado.
Você pode encontrar os livros mais importantes para o CACD aqui:
Bibliografia obrigatória para o CACD
Você lê textos em idiomas estrangeiros como entretenimento
Idiomas não podem ser estudados como as demais matérias. É preciso aprendê-los de maneira holística.
Na verdade, todos nós temos maiores chances de dominar os assuntos pelos quais nos interessamos naturalmente. Não só porque nossa atenção é mais aguda nesses casos, mas porque conseguimos nos dedicar ao aprendizado por períodos muito mais longos.
Alguém que lê notícias em francês pela manhã, escuta canções naquele idioma à tarde e ainda tem tempo para assistir a algum vídeo na mesma língua à noite tem chances muito maiores de captar as nuances do idioma do que outra pessoa que estuda a gramática por obrigação.
Os aprovados no CACD adoram ler em idiomas estrangeiros, apesar de nem sempre ter fluência na fala.
Essa observação bastante interessante:
Muitos novos diplomatas não falam bem idiomas estrangeiros, mas são capazes de ler de e escrever com maestria nessas mesmas línguas.
Você é jovem
Atenção! Não estou afirmando que você precisa ser jovem para ser aprovado, mas isso ajuda. E ajuda mais do que as pessoas gostariam de admitir.
Candidatos jovens têm muito mais tempo disponível e, quando bem orientados, conseguem absorver o conteúdo com maior velocidade e precisão que pessoas de mais idade.
Na juventude, as preocupações e, principalmente, as responsabilidades são incomparavelmente menores. Isso permite ao candidato concentrar-se inteiramente nos estudos.
Quando moradia e alimentação estão garantidos, cursos caríssimos são pagos pelos pais e o passar dos anos não é um empecilho, o progresso é facilitado. Mais uma vez, atenção! Eu não afirmei que o processo é fácil, mas facilitado.
Não importa o quão robusta seja sua estrutura para enfrentar o CACD, a prova será dificílima de qualquer maneira.
Você tem apoio familiar
Em todos os casos de aprovação que observei, a família do candidato foi parte integral da vitória. Ninguém passa no CACD sozinho. Você vai precisar, no mínimo, do auxílio de seus familiares mais próximos além da ajuda de professores especializados.
Enfrentar esse projeto de longo prazo exige cooperação da família. É preciso compreender que o CACD é um plano de vida e que sacrifícios devem ser feitos.
Nem todos têm pais ou cônjuges capazes de aceitar a rotina de biblioteca à qual o candidato usualmente precisa se submeter. Quando a carreira começa a ser prejudicada e a renda passa a ser afetada substancialmente, o apoio não deve diminuir ou o CACD tornar-se-á um projeto abandonado.
Sem família não há CACD.
Você tem poucas obrigações
Esse tópico é um redundante, mas é tão relevante que merece todo espaço disponível.
Conseguir a aprovação no Concurso de Admissão à Carreira Diplomática exige foco tão intenso que não sobra muito espaço para outras preocupações.
Eu conheço uma aprovada que tem dois filhos e ainda assim conseguiu passar na prova. Esse é um caso raríssimo, mas deve ser mencionado.
É importante lembrar, entretanto, que ela teve total apoio do cônjuge e demorou bastante para passar nas provas.
Quanto menos obrigações você tiver, maiores serão suas chances de lograr êxito.
Não acredite no conto de fadas da moça que estudou a vida inteira em colégios públicos, que tinha filhos, que cuidava dos pais e que, como em um passe de mágica, foi aprovada com um ano de preparação.
Isso pode até ter acontecido no passado. Não acontece mais.
Você estuda aos finais de semana
Esse aspecto está diretamente relacionado à mentalidade do indivíduo.
As pessoas que estudam aos finais de semana não são mais bem-sucedidas somente porque estudam dois dias a mais da semana, mas porque utilizam cada minuto como uma oportunidade e distanciar-se dos demais.
Você consegue entender isso?
Os finais de semana não têm nada de mágico. É a ética de trabalho a qual coloca a produtividade antes do lazer que ocasiona resultados positivos. O estudo aos sábados e domingos é um mero reflexo dessa maneira de pensar e agir.
Não consigo ter paz quando tenho a plena consciência de que meus concorrentes estão estudando enquanto estou assistindo a dez temporadas seguidas de Friends.
Você consegue?
Você sente-se em casa na biblioteca
O aprovado no CACD tem dois lugares favoritos em sua cidade:
- Sua casa;
- Sua mesa na biblioteca.
Conheço praticamente todas as bibliotecas de Brasília (estou em uma delas neste exato instante). Há uma poltrona na Universidade de Brasília com o formato do meu “traseiro” (sempre sentei no mesmo lugar e estudei na mesma mesa).
Eu não troco o ambiente de biblioteca por nenhum outro. Ali me sinto em casa.
Além de ser um lugar propenso à produtividade intelectual devido ao relativo silêncio, o fato de haver outros frequentadores em volta, alguns dos quais também estudam para o CACD, ajuda na percepção de que outras pessoas também estão lutando continuamente por seus objetivos.
Você não precisa de uma biblioteca para estudar, mas ajuda bastante.
Apesar disso, conheço dois aprovados que estudaram em casa (não sei como) durante toda a preparação. Um deles, inclusive, é o rapaz de calça furada que passou em primeiro lugar.
Você tem o hábito de ler
A leitura nunca é um peso para aqueles que foram aprovados no CACD. Todos eles têm pequenas bibliotecas em casa e continuariam lendo da mesma forma mesmo que o CACD não existisse.
Eu leio bastante, mas sempre estive muito distante daqueles candidatos prodígios que conseguem passar na prova rapidamente.
Uma curiosidade que mostra a relação desse tipo de pessoa com os livros pode ser ilustrada por um evento que presenciei há alguns anos.
Ao passar na casa de um colega que estudava para o CACD (hoje ele é diplomata), reparei que havia múltiplas cópias dos mesmos livros na estante. Achei aquilo estranhíssimo e perguntei por que alguém compraria as mesmas obras mais de uma vez.
Ele respondeu imediatamente:
Um livro é para anotações, o outro é para leitura casual e, o terceiro, ainda embalado, é uma cópia de segurança caso eu perca os outros dois.
Tudo bem! Você não precisa agir de maneira bizarra como esse rapaz, mas isso mostra como algumas pessoas têm verdadeiro amor pelos livros.
Você considera razoável investir 10 anos da sua vida em um objetivo
Isso não significa que você precisará de dez anos para conseguir a aprovação.
Mas, se fosse necessário, você continuaria estudando até chegar lá?
Não gosto muito da palavra “resiliência” porque ela é hashtag de Instagram, mas é preciso admitir que esse vocábulo resume bem o espírito de quem conseguiu vencer o CACD.
Apesar de acreditar que o puro esforço seja absolutamente insuficiente para a aprovação, ele é um dos ingredientes necessários.
Caso sua vontade de tornar-se diplomata seja forte o suficiente para guiar suas ações por uma década inteira, é praticamente certo que você encontrará sucesso em algum momento durante o percurso.
A fórmula da aprovação é algo parecido com isso:
Pragmatismo + Orientação Adequada + Disciplina + Tempo
Conclusão
Eu sei que, em alguns dos exemplos, os aprovados foram retratados como pessoas bastante peculiares, mas nem todos os novos diplomatas são assim.
Muitos deles eram candidatos que, assim como você, batalharam arduamente para conquistar cada item daquela prova. São pessoas que também erram e que apresentam uma série de pontos fracos no aprendizado.
Passar no CACD, apesar de ser uma tarefa hercúlea, depende apenas da sua habilidade de conseguir um décimo a mais que seus concorrentes.
É possível e você vai conseguir!
Agora, caso você queira saber se apresenta algumas das características daqueles que jamais passarão na prova, leia: 10 Motivos pelos quais você nunca passará no CACD.